domingo, 25 de dezembro de 2016

Nascimento de Cristo na Arte

Foto: Pinterest
Historicamente falando, o dia 25 de dezembro não é o nascimento de Cristo. Na realidade se trata de uma adaptação das festividades da antiga Roma que, exatamente nesse dia celebravam o nascimento do deus Sol, entre outras festas populares como a "Saturnália" que era uma "celebração cercada de muita comida e bebida onde as normas do mundo formal eram subvertidas com o intuito de promover a renovação dos valores por meio de festas marcadas pela inversão dos padrões vigentes." (SOUSA, 2016)

De acordo com Rainer SOUSA (2016) essa adequação foi feita pelas autoridades cristãs no século III após a oficialização do cristianismo no Império Romano. 

Assim, o nascimento de Jesus (Natal),  passou a ser comemorado por todo o mundo ocidental com uma roupagem cristã, mas com vestígios de celebração pagã, regado por muita comida e bebida. Porém, isso é um detalhe que pouco interessa para o objetivo desse post
A ideia aqui é focar no imaginário artístico de pintores que reproduziram a cena bíblica do nascimento de Cristo em vários períodos e que de certa forma colaboraram com o fortalecimento do cristianismo e sua consequente expansão.
Independente da questão religiosa, vale a pena conferir o universo criativo que envolve esse tema.
Segue abaixo as obras mais significativas, dispostas em ordem cronológica de acordo com cada estilo.

Fig. 1 - "Natividade" - Séc. II - Catacumba de Priscilla - Roma
1. Estilo Paleocristão
(Séc. II)
Nos primórdios do cristianismo, sob o domínio do Império Romano, os cristãos faziam seus cultos secretamente dentro de catacumbas em um período que esse grupo parecia ser uma ameaça para o imperador. Lá foram feitas as primeiras pinturas cristãs com o intuito de ensinar aos seus convertidos as histórias contidas nos manuscritos bíblicos que eram lidos. (saiba mais sobre arte paleocristã)
Numa dessas catacumbas, em Roma, encontraremos a primeira referência visual do nascimento de Jesus (Fig. 1).


 Fig. 2 - Natividade de Cristo (1140-1170) Mosaico Bizantino - Palermo 
2. Estilo Bizantino
(Séc. V a XV)

Com a conversão do Imperador Constantino, que transfere o império romano para Bizâncio e a oficialização da religião pelo imperador Teodósio (Saiba mais sobre o início do Império Bizantino), o cristianismo ganha poder e a representação visual dos textos bíblicos resplandecia no interior das igrejas.
Os mosaicos bizantinos estão entre as principais produções desse período, marcado como início da Idade Média. 
Os artistas não se destacavam pelo nome pois eram meros executores das solicitações do clero. 
Seguiam uma iconografia criada para auxiliar a compreensão do tema e tudo era muito simbólico, inclusive o excesso de dourado. No mosaico de Palermo (Fig.2), é possível identificar dois momentos específicos dos evangelhos: Maria e o bebê na manjedoura como personagens centrais e logo abaixo à direita, a cena do batismo.


Fig. 3 - Natividade de Jesus, anônimo de Toscana - Séc. XIII
3. Estilo Românico 
(Sec. XI a XIII)

A arte românica, também medieval, tem algumas representações pictóricas, mas os alto relevos são a grande marca desse estilo, principalmente porque muito deles resistiram ao tempo e contratempos.   
A representação anônima ao lado (Fig.3) é de um presépio do século XIII. Vale lembrar que o presépio foi criado em 1224 por São Francisco. (saiba mais sobre a história do presépio )  


4. Estilo Gótico 
(Séc. XII e XV)


Fig.4 - Vitral na Basílica de Saint Denis, Paris, com leito para Maria. Séc. XII
A profusão de cores dos vitrais góticos trouxe luz, elegância e muitas histórias bíblicas para contar no interior das catedrais. As janelas são textos não verbais sacros, seguindo o padrão medieval. Logo, não poderíamos deixar de apreciar a referência do nascimento de Jesus no vitral da primeira igreja gótica, St. Denis, em Paris (Fig.4).

5. Estilo Renascentista
(Fins do Séc. XIV e XVII)
Nesse período as obras se multiplicam e passam a ter autores identificados e consagrados. Perspectiva, equilíbrio, senso de realidade mais apurado, invenção da tinta a óleo e sua larga utilização marcam as pinturas da época. Temos tantos exemplos que fica difícil a escolha, mas vamos lá: 
Fig. 5 - Filippo Lippi, "Natividade com São Jorge e São Vicenzo Ferrer” (1455 a 1466 )

Fig. 6 - Domenico Ghirlandaio, "Natividade e adoração dos pastores" (1485)
A pintura de Filippo Lippi (Fig.5) traz o estábulo inserido em um ambiente rochoso (gruta), tentando se aproximar da descrição bíblica, entretanto, o pintor encaixou a manjedoura entre Maria, José, São Jorge e São Vicente... Certamente, uma encomenda da Igreja.

A Natividade de Ghirlandaio (Fig.6), pintor contemporâneo de Lippi, representa um estábulo sustentado por colunas com capitel coríntio e ao fundo um arco de triunfo, valorizando elementos clássicos que é muito próprio do renascimento. Algo mais suntuoso... Ghirlandaio traz uma multidão para visitar o menino Jesus que parece formar uma fila para saudar o recém nascido. Enquanto Maria o contempla, José olha para o céu... O que estaria ele buscando??
Ainda no mesmo período dos artistas supracitadosa obra de Sandro Botticelli (Fig.7) trouxe o aspecto místico para sua "natividade" com a presença bem definida do plano celeste com anjos bailando na parte superior, o menino Jesus deitado no chão, seus pais, pastores e magos se posicionando como adoradores na parte central e a confraternização entre anjos e humanos no plano inferior: 
Fig. 7 - Sandro Botticelli, "Natividade Mística" 1500-1501
Fig. 8 - Albrecht Dürer - "A natividade" 1504
Além dos italianos, os renascentistas nórdicos trabalharam com afinco na busca da reprodução de cenas mais fieis à realidade. A "natividade" (Fig.8) de Albrecht Dürer, pintor renascentista alemão, demonstra sua capacidade de observação e reprodução do ambiente nos mínimos detalhes. Contudo, nessa representação o menino Jesus é quase imperceptível, deitado na borda do manto azul da Virgem. Uma curiosidade sobre as pinturas da época é que a família dos nobres que encomendavam a obra eram retratados na cena, porém, em uma proporção menor do que as figuras principais, sagradas. Nesse caso, alguns membros da família Paumgartner nos cantos inferiores da tela com seu respectivo brasão. 


6. Estilo Maneirista
(Entre 1515 a 1600)
Fig. 9 - Tintoretto, "Natividade", 1579-81
Tintoretto, pinta sem se preocupar com o classicismo renascentista, seguindo bem mais sua intuição/emoção do que a razão exigida para a época. A natividade criada por este pintor surpreende pela divisão dos três planos: acima do telhado quebrado estão os anjos observando a cena.  No interior do estábulo, num patamar forrado de feno está a sagrada família e logo abaixo, no plano terrestre, estão os visitantes camponeses. Diferente de todas as apresentadas até então, a cena dispensa a representação da natureza externa, e descortina o caminho a ser seguido pelo barroco. Logo, entre o renascimento e o barroco está o maneirismo, despreocupado com as convenções impostas.
Fig. 10 - Caravaggio, "A Natividade", 1609.

7. Estilo Barroco
(Fins do séc. XVI a meados do séc. XVIII)
Caravaggio desponta como o grande mestre do seiscentismo e a sua natividade (Fig.10) denota integralmente a dramaticidade e força da luz diagonal indicando a leitura do quadro, iluminando as principais figuras. Caravaggio faz questão de representar os personagens como pessoas reais, que poderiam ser vistas em qualquer esquina do cotidiano seiscentista (é uma marca do artista). Assim, a expressividade, a luz diagonal, a representação realística e o claro-escuro do artista marcam a abertura para o novo estilo pictórico: O Barroco. 
Fig. 11 - Rubens, "Adoração dos Magos" - 1634
Aderindo as características do movimento, o pintor flamengo Peter Paul Rubens utilizou o poder do contraste e dramaticidade do barroco para representar a adoração dos reis magos. Contudo, seus personagens diferem na representação pois Rubens traz especialmente para Maria uma tez de nobreza, menos popular. (Fig. 11)



8. Estilo Romântico
(Séc. XIX)
Fig. 12 - William Blake, "A Natividade", 1800
A partir de 1800, as pinturas sacras vão perdendo espaço para outras temáticas e a forma de representação se liberta cada vez mais das influências iconográficas medievais. Um bom exemplo é o quadro de William Blake, poeta e pintor romântico inglês que tratou com extrema simplicidade o tema da natividade. Estão presentes José que segura Maria desfalecida e sua prima Isabel com João Batista no colo amparando um menino Jesus flutuante. Nesse caso o pintor focou nos aspectos simbólicos onde Jesus é um ser de luz e reforça a imagem do esposo que ampara a mulher frágil. Curiosamente o pintor é adepto ao esoterismo (conheça um pouco mais sobre o autor). 

9. Estilo pós-impressionista
(Final do séc. XIX )
Fig. 13 - Paul Gauguin,  "A Natividade" 1896
O impressionismo da Belle Époque do final do século XIX priorizou a pintura ao ar livre. Os pintores estavam totalmente envolvidos com a luz do sol, com o movimento das águas e da natureza, com o movimento das dançarinas nos cafés, não se encaixando a pintura com temática religiosa. Saiba mais sobre Impressionismo
Entretanto, Gauguin nos deixou um belo exemplar de natividade (Fig.13) com a peculiaridade de trazer a o biotipo Tahitiano para todos os personagens da natividade, inclusive para Jesus e o anjo que observa Isabel cuidando do bebê enquanto Maria, bem ao fundo, repousa.

10. Estilo Expressionista
(Início do Séc. XX)

Fig. 14 - Adolf Hölzel - "Adoração (Natividade), 1912
 O século XX traz um perfil assustador... guerras, crises, revoluções civis e tudo aquilo que a razão humana deveria, pela lógica, minimizar. O estilo expressionista foi o resultado dessa equação. Perde-se o sentido da vida... Perde-se os detalhes, a perfeição que é ilusória. Fica o sentimento da incerteza, da descrença, que não precisa ter face. Assim é a natividade do alemão Adolf Hölzel (Fig 14). Rostos sem detalhes, pinceladas grossas, cores mais sombrias, exceto para Maria com o pequeno Jesus no colo. O artista manteve o tradicional manto azul sempre presente nas representações da virgem e uma saia com tons vivos e quentes. Seria um indício de luz no fim do túnel diante de tanto flagelo? 


11. Vanguardas modernistas
(Entre 1900 a 1970)

Sem aprisionamentos acadêmicos, as vanguardas foram surgindo com o propósito de ineditismo, "ismo", mesmo... para todo o lado: cubismo, fauvismo, surrealismo, concretismo, e tantos outros. E todos com o propósito básico de não repetir modelos, ignorar o academicismo, estar a frente sempre, fazer algo que ninguém tenha feito. 
Fig. 15 - De Chirico, "Natividade" 19
Com relação a natividade, veremos três bem diferentes. A primeira está dentro do esperado para uma pintura sacra. Apesar do pintor ser o criador da pintura metafísica e precursor do surrealismo, Giorgio De Chirico tratou do tema com certo senso de realidade (Fig. 15).
A segunda, futurista, de um artista pouco conhecido, Gerardo Dottori trata o tema com sublimes tons de azul com o foco de luz iluminando os personagens principais. (Fig. 16)

Fig. 17 Dottori, "A Natividade", 1930

E finalmente a natividade abstrata do russo Vassily Kandinsky, que apesar de sido produzida antes da obra futurista, possui uma característica totalmente inusitada.  É narrada unicamente com a emoção e totalmente livre de imposições. A interpretação fica a critério de quem a aprecia.

Fig.17 - Vassily Kandinsky - "Natividade", 1911





Saudações artísticas
Carla Camuso



Para saber mais sobre as imagens e informações contidas no texto:

http://libreriamo.it/arte/le-dieci-nativita-piu-belle-della-storia-dellarte/
http://www.imartedidellarte.com/archivio-il-quadro-del-mese-di-dicembre.html
http://www.medioevo.org/artemedievale/Pages/Sicilia/CappellaPalatinaaPalermo.html
http://www.frammentiarte.it/2016/16-altare-paumgartner-la-nativita/

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